SEXUALIDADE MADURA,
FIDELIDADE E PERVERSÃO

Uma concepção freudiana não ortodoxa
Dr. Adail Ivan de Lemos


SUMÁRIO

Introdução
O Principio de Castração
O Principio do Objeto Total
O Principio de Alteridade
A Psicologia de Gênero Sexual
  As Conseqüências Psíquicas da Diferença Anatômica   entre   os Sexos
  O Impacto Psicológico do Complexo de Édipo na   Sexualidade Adulta
A Evolução da Experiência Marital
  A Escolha do Adolescente
  A Escolha do Adulto
  A Escolha do Pai
  A Escolha Madura
Imaturidade Amorosa
  A Fantasia do Pau Fincado
  A Fantasia da Boceta Encaixada
Fidelidade
As Perversões
Referências

Introdução
A sexualidade, enquanto fenômeno que ocorre entre duas pessoas provocando uma excitação física, é um acontecimento usual que opera no limite entre o psíquico e o somático. Por este motivo, um ensaio sobre sexualidade, suas implicações relacionais e sua psico-patologia são úteis para a compreensão dos fenômenos psicossomáticos fisiológicos. Antes de mais nada, é preciso esclarecer que grande parte do que será descrito aqui tem somente um valor conceitual. Os postulados e suas ilações seguem uma linha freudiana não ortodoxa e foram complementados pela experiência psicanalítica do autor.

Desde que Freud (1905) descreveu os seu três ensaios sobre a sexualidade pouco tem sido acrescentado ao desenvolvimento da sexualidade infantil e menos ainda tem sido escrito sobre uma possível sexualidade adulta. Baseado na teoria freudiana, este ensaio visa estabelecer critérios para a avaliação de uma virtual sexualidade madura os quais, uma vez aceitos, podem estimular um novo enfoque sobre os desvios sexuais.

A partir da conceitualização dos estágios oral, anal e genital, uma leitura ingênua do texto freudiano contribuiu para uma visão conservadora da sexualidade na medida em que o desejo se fixaria em estágios anteriores ao da genitalidade. A partir dos Três Ensaios Sobre a Sexualidade, alguns analistas ortodoxos tendem a julgar a preferência oral ou anal de seus pacientes neuróticos como regressão aos estágios oral e anal. Seguindo-se esta linha de raciocínio, toda a pulsão não endereçada para um alvo genital deveria ser interpretada como regressão ou perversão sexual.

Contrastando com este enfoque, existe uma tendência moderna de negar este modelo pioneiro do desejo. Katz (1985) baseado em uma leitura lacaniana da obra de Freud (Lacan, 1960) questiona este modelo. Não há um desejo unitário, que a clínica psicanalítica devesse produzir por referência ao seu modelo (transcendental). O desejo sempre se expressa e o que a Psicanálise procura é que ele se manifeste sem atender à demanda do outro. Mas, repito, não há um modelo de desejo a ser atingido (p 138).

Em sua oposição à lei e à demanda do outro, todo o desejo seria perverso à nível inconsciente. Na realidade social, o desejo está mais ou menos submetido à lei e precisa levar em consideração a demanda do outro sob pena do indivíduo ir para cadeia. Os casos de condenação por pedofilia e estupro são bons exemplos.

Em termos conscientes, mesmo que o desejo possua um alvo genital, ele tem uma inscrição simbólica. Esta especificidade, quase sempre, faz com que uma forma de orgasmo seja melhor do que outra. Assim, no prazer sexual, certas práticas, por serem simbolicamente mais eficazes, repetem-se com maior freqüência. Este caracter unívoco e repetitivo do desejo sexual aproximar-se-ia da fixação proposta inicialmente por Freud e faria com que toda a busca de prazer sexual se aproximasse da perversão.

Daí porque é tão importante o estabelecimento de critérios para uma compreensão do quer seria uma sexualidade adulta. Desvios em relação a esta maturidade poderiam ser encarados como perversão sexual.

Um outro fator que limita a compreensão do que seria uma sexualidade adulta é a inevitável articulação entre amor e sexo. A intensidade da ligação afetiva tende a reduzir o limite entre o normal e o perverso (Goldin, 1991), na medida em a paixão suspende as repressões sexuais e legitima os desvios. Quando existe amor, tudo é permitido e aceito sem repulsa. Na paixão, por exemplo, o corpo do outro é sentido como se fosse nosso. Ambos são o mesmo, e é por isso que tenho ciúme do corpo amado, e não suporto que nenhum outro além de mim, tenha prazer com ele .

Porém, palavras como paixão e amor servem para encobrir sentimentos que nada tem a ver com amor verdadeiro. Possessividade e ciúmes são os sentimentos regressivos que estão, muitas vezes, associados ou confundidos com elas. Ciúme e possessividade são sempre revelados por um sentimento sobreposto de desconfiança.

A possessividade tem sempre um caracter regressivo na media em que o primeiro objeto do desejo (i.e. o seio da mãe) é originalmente confundido com o corpo da própria criança (Spitz, 1961). A criança é proprietária do seio. Com freqüência mal interpretado e confundido com amor, o ciúme nada mais é do que uma insegurança em relação ao terceiro resultando de uma infantil rivalidade edipiana. Muitas vezes, o ciúme encobre também sentimentos possessivos. Da mesma maneira que tentam impedir a vida sexual dos pais, tanto o ciúme como a possessividade infantil, procuram negar o desejo sexual do outro. Assim, os três demônios que destruem as relações afetivas são a possessividade, o ciúmes e a desconfiança.

Ainda que a existência de uma sexualidade idealmente adulta possa ser descartada como impossível, torna-se difícil interpretar os desvios da sexualidade sem que se compreenda o que é maturidade sexual. Para que a relação sexual entre um casal possa ser considerada adulta e satisfatória (Stringhini, 1998), o encontro deve obedecer à três princípios.

• Principio de Castração
• Princípio do Objeto Total
• Principio da Alteridade ou de Interdição Simbólica.

O Principio de Castração

A primeira précondição para a existência de uma sexualidade madura é a submissão ao Principio da Castração. Este princípio implica no estabelecimento de uma relação com o terceiro (o pai) que é sentido como superior e como figura de interdição. Implica também em uma superação do estágio simbiótico-narcísico precedente.

A partir da entrada do terceiro na diada materno-infantil, estão criadas as condições para a vivência da ansiedade de castração. Existe uma comparação anatômica entre os sexos: o da criança com o sexo de outra criança e com o sexo dos pais. A menina se sente incompleta porque lhe falta o pênis. O menino, ao reconhecer que possui um pênis menor do que o do pai, imagina que se pode cortá-lo. O Complexo de Castração é propulsionado pela existência de um sentimento de ciúmes e ódio em relação ao pai do mesmo sexo. Isto faz com que surja um medo retaliatório. Em termos psíquicos, esta agressão movida à ciúmes e, originalmente, endereçada ao pai do mesmo sexo, retorna ao ego da criança provocando o medo da mutilação (i.e. Complexo de Castração). É este temor associado à incapacidade de destruir o objeto odiado que obriga a criança se identificar com o pai do mesmo sexo.

Independente das variações interpretativas que podem explicar o Complexo de Castração, a reconfiguração psíquica em termos de uma relação triangular (i.e. entrada no Édipo) descentra a criança de seu primitivo ego narcísico e da sua condição de onipotência. Ele estabelece as bases para um sentimento de inferioridade em decorrência de uma comparação sentida como potencialmente castradora. Quando alguém se sente inferior (e não se sente onipotente) procura, sinceramente, dar prazer ao outro. Por este motivo, o Princípio de Castração é fundamental para o desenvolvimento da sexualidade madura.

O homem que se imagina castrado (e.g. porque possui um pênis pequeno) ou corporalmente incompleto (e.g. lhes falta algo: um rosto bonito, cabelo, acuidade visual, etc.) são melhores e mais dedicados amantes do que aqueles que se julgam completos, perfeitos e superiores. É também por este motivo que homem menos narcísico e mais edipiano pode proporcionar mais prazer a mulher do que o homem mais narcísicos e menos edipiano (i.e. possuidor de pênis enorme). O narcisismo faz com que ele se maravilhe com sua ereção. A companheira ideal deve ser uma adoradora do pênis. Entretanto, a idolatria ao falus tem pouco a ver com uma transação sexual recíproca e mutuamente satisfatória.

A falta de pênis na mulher, faz com que o Complexo de Castração provoque um outro tipo de fantasia retaliatória. Em termos freudianos, a menina foi castrada e, por isto, não tem algo a perder, com exceção do amparo materno. Ao entrar no Édipo, a rivalidade com a mãe e o amor pelo pai é vivenciado como ambíguo e ameaçador. Ao se aproximar do pai, a filha teme perder o amor da mãe. O Complexo de Castração se manifesta pelo medo retaliatório do abandono. Quando não se sente preferida pelos homens, a mulher vive o receio do desamparo. É este receio de ficar sozinha que estimula a mulher a gratificar sexualmente seu homem e, muitas vezes, é o medo de ficar desamparada que a mantém em relações insatisfatórias.

Em consonância com o Princípio de Castração, é o saber-se não onipotente e irremediavelmente mutilado (Goldin, 1984) que faz com que alguém busque a sua completude no outro através do sexo. Esse sentimento de inferioridade contrasta claramente com o sentimento de onipotência narcísica desenvolvido por muitos homossexuais, para os quais o outro deve agradecer por tê-los como parceiros.

No sexo feminino, filhas atraentes que são preferidas pelos pais tornam-se histericamente encantadoras. Não raro, desenvolvem uma passividade sexual semelhante aos dos homossexuais passivos. A proximidade com o incesto faz com que o erotismo heterossexual seja inibido e elas também reivindicarão uma centralidade relacional. Consideram-se incrivelmente magnânimas por aceitarem a corte de um homem.

Os efeitos mutilatórios e de inadequação sexual estabelecidos pelo Princípio da Castração são também observados após o ressurgimento da libido sexual durante a adolescência. Em muitos, casos explicam as dismorfofobias vividas pelo adolescente.

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