O Principio
do Objeto Total
Para que possa ser considerado maduro, o desejo sexual, em princípio,
deve dirigir-se a um objeto total invés de um objeto parcial.
Para que isso seja possível, o indivíduo precisa necessariamente
superar a fase infantil de fragmentação e parcialização
do objeto. Durante esta fase, a relação é estabelecida
com imagens dissociadas do corpo da mãe para realização
das necessidades instintuais da criança (Spitz, 1958). Passada
a fase simbiótico-narcísica, o sujeito começa a
estabelecer um outro tipo de relação libidinal com o objeto.
Ele passa a ser total e a mãe passa a ser percebida como diferenciada.
O seu universo corporal é representado como uma unidade e não
como a soma de partes fragmentadas. Em outras palavras, a relação
se faz com o outro enquanto pessoa e não com partes separadas
do corpo do outro.
No caso contrário, quando o indivíduo está fixado
no estágio simbiótico-narcísico, a tendência
é a de manter uma relação com partes do corpo do
outro correspondente à erotização do primitivo
objeto parcial. Sabemos, por experiência própria, como
partes do corpo feminino ou masculino, tal como bunda, coxas, pernas
ou seio podem nos impressionar à primeira vista e deflagrar uma
atração erótica instantânea. Trata-se de
um resquício da relação libidinal primitiva aderida
a partes do corpo do outro. Porém, independente deste amor a
primeira vista, a maioria dos seres humanos estabelece algum grau de
relação interpessoal antes do primeiro encontro sexual.
Com o passar do tempo, este desejo dissociado vai desaparecendo e a
interação com a pessoa do outro prevalece.
O Principio de Alteridade
O Principio da Alteridade está relacionado ao reconhecimento
do outro e se faz essencialmente por meio de processos psíquicos
secundários. Uma vez inserido na cultura o ser humano passa a
se comunicar com o outro por meio da linguagem. É este operar
simbólico que se superpõe às primitivas representações
pré-verbais que irá modificar o desejo separando-o para
sempre do desejo animal.
No ser humano, o reconhecimento simbólico do outro faz no interior
de uma estrutura pré estabelecida e culturalmente determinada.
Isso faz com que as relações sexuais obedeçam a
uma interdição simbólica (Lacan, 1971). A partir
daí passa a existir um sexo permitido e outro proibido. A proibição
do incesto significa que a liberdade sexual, originalmente perversa
e polimorfa, está inevitavelmente submetida a uma ordem simbólica
determinada culturalmente. Assim o indivíduo não poderá
manter relações sexuais com seus pais, irmãos,
tios e, se não for psicótico, também não
terá relações sexuais com o seu psicanalista. É
justamente esta aceitação da interdição
simbólica que torna possível o respeito ao desejo do outro.
Na infância, esta sanção tende a ser negada. Por
este motivo, o desejo imaturo pelo pai do sexo oposto se constitui como
um desejo edipiano. Na menina, este desejo está endereçado
ao pai como outro menor (i.e. pai como homem necessário à
mãe) e nega o pai como representação do Outro maior
(i.e. pai enquanto lei/norma social). No menino, este desejo está
endereçado à mãe como outra menor (i.e. mulher
de outro homem) e nega a mãe como Outro maior (i.e. mãe
enquanto direito ao desejo sexual do outro).
Em ambos os casos, trata-se uma cegueira em relação à
proibição do incesto. O desejo incestuoso dificulta a
formação do super-ego e impede a organização
alteritária do psiquismo humano porque não respeita as
sanções legais e o direito de alguém ao seu próprio
desejo. Competição, ciúmes e egoísmo caracterizam
esta cega procura edipiana onde o prazer sexual é maior na medida
em que inclui o ataque a um terceiro.
Talvez seja a aceitação da proibição imposta
pelo incesto o critério mais apropriado para o reconhecimento
da condição adulta da sexualidade. O homem pode se colocar
no lugar do outro. É justamente esta mediação simbólica
que organiza o desejo humano como diferente do animal. Ao contrário
do animal, o ser humano não comete o incesto. Por estes motivos,
o Princípio da Alteridade é tão importante para
o desenvolvimento de uma sexualidade adulta.
Além dos princípios que norteariam o conceito de sexualidade
madura, é preciso investigar também os fatores psicológicos
inerentes a cada um dos sexos.
A Psicologia de Gênero Sexual
Em função de seu sexo, homem e mulher desenvolvem uma
psicologia própria. Esta forma de pensar e sentir produz, muitas
vezes, dificuldades relacionais. De certo modo, as diferenças
anatômicas e o relacionamento com os pais durante a infância
condicionam a maneira pela qual homem e mulher vivem e antecipam suas
experiências afetivo-sexuais. A partir destas diferenças,
criam-se expectativas em relação ao outro. Frustrações
em relação a estas expectativas são determinantes
para a felicidade ou infelicidade conjugal.
As Conseqüências Psíquicas da Diferença
Anatômica entre os Sexos
Em termos da identidade sexual de homens e mulheres, as conseqüências
psíquicas surgem a partir de diferenças anatômicas.
Enquanto a identidade sexual masculina é transferida, em grande
parte, para um membro visível, a identidade feminina está
genitalmente oculta e distribuída no corpo feminino como um todo.
O fato da identidade masculina estar referenciada no pênis induz
a um acoplamento localizado. A existência do pênis facilita
o mecanismo da identidade projetada.
A ejaculação
funciona como uma espécie de imprint que deixa sua marca no feminino.
Para confirmar isso, às vezes, o homem precisa ver o seu esperma
no rosto ou no corpo da mulher. Já a existência do útero
tem outra repercussão mental. A exteriorização de
algo de dentro de si, quando nasce o bebê, facilita o mecanismo
psíquico da identificação projetiva. Daí porque
a identidade sexual feminina procura uma cara metade e erotiza o corpo
do outro como um todo.
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Em função de sua natureza biológica, a mulher é um ser singular. Ovula uma
vez por mês e só pode ser fecundada num determinado período.
Biologicamente, ela tem poucos dias livres para o prazer sexual. Descontado
o período menstrual, este intervalo é ainda menor. A vagina
é um órgão que busca completude mais do que preenchimento.
Em razão destas diferenças genitais, a escolha relacional
é mais valorizada.
Nesta adequação entre o eu e o
outro, a biologia condiciona a psicologia feminina. A mulher precisa sentir-se
envolvida antes e fica mais comprometida depois do contato físico.
A combinação destes fatores faz com que a mulher se torne
mais seletiva do que o homem. Soma-se a isto, limitações
sociofamiliares, geralmente mais restritivas. Há uma correlação invertida. As eventuais
restrições culturais impostas à liberdade sexual
feminina acabam por reforçar o afeto como condição essencial
para o relacionamento. Por estes motivos, a psicologia feminina volta-se
para a pessoa, para o singular e está mais orientada para o afeto
do que para o orgasmo sexual.
Com o homem, acontece o oposto.
Pelo fato de produzir milhões de espermatozoides a cada ejaculação,
ele pode fecundar múltiplas mulheres em um só dia. O pênis
tende a ser polívoco, enquanto a vagina tende a ser unívoca.
Analogamente ao que acontece com a mulher, a biologia masculina também
condicionará a psicologia masculina. A relação entre
o côncavo e o convexo será essencialmente múltipla
e orientada mais para o orgasmo do que para uma escolha afetiva. Esta
tendência é também condicionada por fatores socioculturais.
No Ocidente, a liberdade sexual é mais uma prerrogativa masculina
do que feminina. Na medida em que a liberdade sexual masculina sofre menores
restrições culturais, o encontro sexual é a condição
sine qua non para o desenvolvimento de uma relação afetiva.
Quando a relação resulta de uma aproximação
inocente e pura, a atração masculina se transforma em amor
platônico que, muitas vezes, inibe o ato sexual.
O Impacto Psicológico do Complexo de Édipo
na Sexualidade Adulta
Além destas diferenças psicológicas oriundas da anatomia,
devemos voltar a nossa atenção para a investigação
de como cada um dos sexos entra no Complexo de Édipo e qual o impacto
da organização edipiana na sexualidade adulta.
A entrada no Édipo, ou seja a transição do estágio
simbiótico-narcísico para o edipiano-alteritário,
será essencial para a constituição da identidade
sexual adulta. Na infância, tanto o menino como a menina mantém
uma relação original com o objeto materno. Esta interação
simbiótico-narcísica é a base para a formação
de processos identificatórios primários com a mãe.
Portanto, não seria totalmente errôneo afirmar que todo o
ser humano nasce psiquicamente mulher. Em ambos os sexos, esta identificação
primitiva com a mãe dificulta uma identificação secundária
com o terceiro.
Para que as identificação secundárias ocorram são
necessárias duas pré condições. Primeiro,
a mãe deve desejar ao pai e vice-versa (mais do que ao filho ou
a filha); segundo, o pai sexualmente diferenciado deve ser suficientemente
bom para servir de modelo identificatório2.
Quando existe desejo sexual entre os pais, a criança precisa se
sentir excluída da relação adulta e, para se identificar
com o pai do mesmo sexo, competir e reconhecer que perdeu esta competição
com ele.
2 -Da mesma forma como na obstetrícia existem apresentações
pélvica e cefálica, o filho pode não entrar de frente
na fase edipiano-alteritária. Em vez de desejar a mãe e
competir com o pai, ele protege a mãe e se deixa sodomisar pelo
pai. Por isso, ele entra de bunda Édipo e irá tornar-se
um homossexual. Nestas circunstâncias, a entrada no Édipo
não se faz adequadamente e não há uma identificação
secundária com o pai. Persistirá uma tendência psicológica
para uma identificação pré genital com a imago materna,
ou seja uma identificação originária com a mãe.
Quando a identificação secundária é também
com a mãe como mulher, o homossexual tornar-se-á um travesti
masculino. A construção psíquica do objeto transferencial
se totalizará não no pai do sexo oposto mas no pai do mesmo
sexo e, consequentemente, a diferença entre os sexos será
negada. A catetização deste tipo de representação
psíquica faz com que o indivíduo erotize o semelhante (i.e.
o homo) e não o desigual (i.e. o hetero). Esta é uma das
razões pelas quais se observa um sentimento narcísico de
onipotência nestes indivíduos acompanhado por um excessivo
envolvimento emocional com o outro (i.e. simbiose psicológica).
Em contraste, também podemos encontrar a apresentação
cefálica no sexo feminino. Quando a mulher entra de frente no Édipo
- competindo e se identificando com o pai e desejando a mãe - o
resultado será o travesti feminino Neste caso, o processo identificatório
secundário será com o pai. Em vez de querer ser amada pelo
pai ela quer ser o pai. Muitas vezes, o pai representou muito mais uma
figura autoritária e capaz do que um objeto amoroso. E, mesmo que
a figura parental de autoridade apresente características hostis,
a identificação ainda assim se fará com o agressor.
Em geral, quando uma mulher que deseja ser um homem é porque mantém
uma fantasia de completude (e superioridade) simbolizada pela posse do
pênis.
Por este motivo, identidade psíquica do travesti feminino demonstra
um edipianismo invertido caracterizado por uma competição
exagerada com os homens e por uma atitude chauvinista com as mulheres.
É provável que outras formas de lesbianismo entre mulheres
(excluindo-se o desejo de ser homem) não passem de uma regressão
à fase simbiótico-narcisica. Estas práticas buscam
mais segurança, proteção e afeto, mas não
se preservam como práticas necessariamente homossexuais.
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