Para investigar como esta
articulação se faz na psicanálise, é necessário
investigar suas várias abordagens teórico-clinicas.Três
concepções são mais relevantes e paradigmáticas:
a kleiniana, a freudiana, e a sullivaniana. Sem dúvida estas
abordagens teórico-clinicas provém de uma conceituação
metodológica e metapsicológica.
Proposto originalmente por Eitington, o modelo disciplinador só
pode se perpetuar se alicerçado no modelo kleiniano das relações
objetais primitivas, onde prevalece a phantasia.Neste caso, o real é
confundido com os estatutos da instituição e toda as aspirações
institucionais tornam-se equivalentes a desejos infantis. A dinâmica
entre os membros é encarada como transferência, contra-transferência,
projeção, introjeção, etc. As fantasias
inconscientes e infantis estão detrás de todas as reivindicações.
O único critério de manter a instituição
ancorada no real será seguir a risca os estatutos. É compreensível,
portanto, que qualquer reforma regimental fique descartada na medida
em que qualquer solicitação ou motivação
para mudança é rotineiramente interpretada como a busca
impossível de algo fantasmagórico. O resultado deste enfoque
teórico-clinico é o desmembramento da instituição
em subgrupos, isolamento entre eles e rigidez institucional.
O modelo freudiano ortodoxo estabelece um enraizamento do psique no
soma. Freud iniciou sua obra estudando mulheres histéricas e
o seu conceito de pulsão foi concebido no limite entre o psíquico
e o somático. Está implícita a necessidade de considerar
esta inserção material no corpo. A obtenção
da satisfação psíquica não pode prescindir
do prazer corporal. O resultado prático deste enfoque é
o de que a contenção termina por não resistir ao
desejo.
As frustrações decorrentes da rígida disciplina
institucional associadas a tentativas de mantê-las termina por
fraturar o corpo institucional (como a repetir a falta de simbolização
histérica). Quando o modelo institucional não contém
o conflito surgem divergências insuperáveis provocando
divisões. Quando o modelo é capaz de conter o conflito,
o desaparecimento do sintoma provém da resolução
de conflitos internos (tal como na histeria). A história deste
modelo, é a história de instituições que
evoluem por crises. Muitas vezes estas crises são bastante graves
e põem em risco a unidade institucional.
Ao contrário de psicanalistas dissidentes como Adler, Reich e
Jung, Sullivan foi um divergente não dissidente de Freud. Ele
foi um psicanalista filiado a International Psychoanalytical Association
que construiu uma teoria não analítica própria.
Porém, jamais foi expulso da IPA. Curiosamente, sua Teoria das
Relações Interpessoais, bastante útil em psiquiatria,
não é usualmente estudada nem prevalece como linha ideológica
na grande maioria das instituições psicanalíticas.É
fácil constatar que este modelo teórico está inserido
no social. Um espaço constituído no entre dois detém
uma especificidade relacional que irá configurar um outro perfil
institucional. Ele supera os modelos kleinianos e freudianos na medida
em que vai além do desejo inconsciente e de seu enraizamento
no corpo e introduz a pessoa do outro na interação social.
O outro é, ao mesmo tempo, observador e participante. A semelhança
da evolução de ideologias políticas, o modelo teórico-clinico
sullivaniano valoriza a opinião do outro.
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Tal como acontece com as
pessoas, a transformação da identidade institucional se
faz por meio de uma dialética no social. O indivíduo tem
sempre o mesmo nome embora em seu crescimento ele seja sempre um outro
diferente do que foi.
Em função do exposto, é plausível admitir
uma correspondência entre formas de pensamento (e conhecimento psicanalítico)
com o perfil das sociedades psicanalíticas. Obviamente, o ideal
seria a total separação do saber da estrutura de poder institucional.
Daí porque existe uma tendência em curso. Na maioria das
sociedades psicanalíticas, há um esforço no sentido
de separa a análise do candidato a psicanalista da análise
didática institucional (proposta originalmente por Eitington).
Atualmente, algumas instituições psicanalíticas consideram
aceitável credenciar outras instituições (e, portanto,
seus analistas) nas quais seus candidato à formação
fariam suas análises. É uma forma parcial de desarticular
o saber psicanalítico da prática institucional do candidato.Mesmo
assim esta desarticulação continua sendo insuficiente em
outros aspectos da vida societária.
Especialmente, quando persiste a fragmentação societária
em subgrupos teórico-clinicos.
Com freqüência, a escolha de cursos, de professores, a organização
do currículo escolar e a eleição de representantes
sugere um vínculo muito claro entre o "saber" de certos
subgrupos e seu grau de representação institucional. Por
isto, a separação radical entre o saber psicanalítico
ideologizado e o poder institucionalizado é ainda utópico
nas sociedades psicanalíticas. É este impasse entre teoria
e ciência de um lado e ideologia e poder de outro que dificulta
uma prática verdadeiramente pluralista e democrática na
psicanálise. A transformação
da teoria psicanalítica, tal como é conhecida hoje, em uma
possível ciência mental seria um grande passo a ser dado
no futuro para separar consistentemente o saber de sua correspondência
ideológica mas, infelizmente, esta possibilidade está muito
distante do momento psicanalítico atual.
Resta apenas reconhecer esta associação espúria entre
uma concepção teórico-clinica e sua subsequente institucionalização
como um mal inevitável. De outro lado, é perfeitamente saudável,
manter-se a aspiração de encontrar uma concepção
da psicanálise cada vez científica e, ao mesmo tempo, mutável.
Este foi, por exemplo, o caminho percorrido pela Física que evoluiu
da Física Clássica, para a Física de Descartes, para
a Física de Newton, para a Física de Eisntein e daí
para a Física Quântica.
Uma alternativa plausível seria definir a identidade institucional
com um termo teórico-clinico que sugerisse um desenvolvimento nesta
direção. Por exemplo, o termo Neofreudiano traria consigo
uma identidade psicanalítica, pois parte dele - freudiano- indicaria
uma origem em Freud. Já o prefixo neo sugeriria a incorporação
de conhecimentos psicanalíticos posteriores, tais como o kleiniano,
farbainiano, winnicottiano e lacaniano.
Tal conhecimento apresenta características de provisoriedade, limitação
e aproximações sucessivas em direção a uma
verdade que, rigorosamente falando, é relativa. Com este perfil
institucional, seria possível substituir uma proposta idealístico-doutrinária
por um processo acumulativo de conhecimento. É possível
que uma abordagem assim atenuasse os antagonismos dilemáticos no
seio da sociedade e transformasse conflitos grupais em processos de aprendizagem
dialéticos coletivos.
Rio de Janeiro, 12 novembro de 1982
Revisão Final: 15
janeiro de 2002.
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