A Identidade das Instituições Psicanalíticas
Dr. Adail Ivan de Lemos

Introdução
O objetivo deste trabalho é o de discutir a identidade das instituições de formação psicanalíticas e suas implicações.

Quando o Comitê de Treinamento da Associação Psicanalítica Internacional (IPA) decidiu padronizar as normas de formação psicanalítica não só estava estabelecendo uma padronização mas instituindo uma normalização cujo fim era o de sustentar uma identidade institucional. Assim, a concepção freudiana convencional seria repassada para gerações subsequentes de psicanalistas na tentativa de preservar uma prática que sofria o ataque de vários dissidentes.

O mérito deste empreendimento deveu-se a Max Eitington. Ele procurou articular a psicanálise um modelo institucional. Em parte, este modelo iria restringir o livre debate sobre o inconsciente que existia entre os pioneiros da psicanálise. O aspecto positivo deste esforço era o de impedir que a popularização da teoria psicanalítica propiciasse a formação de pseudo psicanalistas.

Estes, ao não se submeterem a análises pessoais criteriosas com analistas reconhecidos e conscienciosos, poderiam pela simples leitura dos textos psicanalíticos e utilização de um divã se auto intitularem psicanalistas.
Estes "analistas" não qualificados tratariam os pacientes por meio de uma análise selvagem.

O aspecto negativo da institucionalização do movimento psicanalítico foi o estabelecimento da análise didática. Não existia nada de errado em alguém que pretende ser psicanalista fazer o seu próprio tratamento antes de começar a tratar dos outros.

O problema era o de que, ao fazer o seu tratamento com alguém que ocupava cargos importantes na instituição, o candidato transferia sentimentos originalmente endereçado aos seus pais para o seu analista (também participante da política institucional). Além de uma idealização irracional do seu psicanalista, o futuro membro funcionava como um aliado institucional de seu terapeuta. Portanto, a análise didática introduziu um conjunto de atitudes que configuravam um modelo essencialmente disciplinador. Este modelo acabou por transformar a expressão livre e democrática do movimento psicanalítico inicial. Um outro efeito deste modelo foi a formação de subgrupos de psicanalistas dentro da instituição. Como em qualquer grupo familiar, a unidade dos membros estava baseada em uma concordância ideológica em termos teórico-clinicos.Este trabalho investiga a existência de subgrupos em uma sociedade de psicanálise pluralista. Em outras palavras, que não adotara um modelo teórico clinico prioritário ou principal. Ele baseia-se em um texto apresentado no antigo Instituto de Medicina Psicológica da Sociedade de Psicanálise Iracy Doyle em 1982. Na época, houve uma jornada de Debates Internos a partir de um inquérito que o IMP havia feito para avaliar o perfil teórico dos seus psicanalistas e cursistas. Entretanto, este debate não aprofundou questões essenciais como a relação entre ideologia clínica e poder e como uma instituição aparentemente democrática e pluralista pode, na prática, obedecer a estatutos conservadores e ultrapassados. Além de situações transferencias, as divergências teórico-clinicas e exclusões estatutárias dificultam a integração e a dinâmica do corpo societário.

O resumo da pesquisa sobre a formação analítica na Sociedade Psicanalítica, realizada pelo Dr. Gilberto Lago, revelou que só 7% dos cursistas não visaram nenhuma mudança institucional (em Interação de Turma, p 12). Indagados sobre qual a sua orientação teórico-clinica os resultados foram os seguintes 23% dos membros societário responderam freudiana, 18% lacaniana, 9% winnicottiana, 4,5% fairbainiana e 4,5% sullivaniana. É importante ressaltar que metade dos entrevistados se definiu por uma tendência, enquanto a outra metade utilizou de uma combinação de tendências teórico-clinicas A combinação mais representativa foi a freudiana, kleiniana winnicottiana (Orientação Teórico-clínica, p 16). As razões de não atendimento total das expectativas em relação a formação psicanalítica se confundem com as que se referem a formação. Dois terços dos entrevistados cita problemas de indefinição teórica ou rigidez estrutural da instituição em si. Como se viu, em termos de avaliação e expectativas, a questão da definição teórica é decisiva para os membros da sociedade. A opção mais forte é pela abertura teórica. Entretanto, surgem críticas contra um ecletismo inconseqüente . Existe nesta pesquisa uma contradição .

A maioria dos entrevistados optou por uma instituição pluralista mas 2/3 dos respondentes gostariam que sua tendência teórico-clinica fosse hegemônica. A explicação mais óbvia para esta contradição é a de que a falta de um grupo hegemônico provoca insegurança (ao mesmo tempo que propicia a liberdade de pensamento).
Já a predominância de uma corrente teórico-clinica produz uma sensação de segurança e unidade (embora restrinja a liberdade de questionamento).

Por este motivo, a escolha de um determinado recorte teórico, com sua inerente transformação em ideologia, se constitui em um fator essencial na dinâmica institucional. Segundo Marx, a teoria enquanto ideologia é pertinente a uma prática social. Esta prática evolui sempre pela união incessante dos contrários. Assim, a teoria não se produziria pelo contraste sistemático de diferentes pontos de vista. Ela seria decorrente e estaria irremediavelmente vinculada ao desenvolvimento social através da história. O argumento marxista é o de que na realidade não existem sociedades pluralistas em termos ideológicos.

Existe apenas a sociedade capitalista e a socialista. Na evolução histórica, a ideologia do trabalho suplantaria a ideologia do capital. Já a teoria enquanto ambição científica precisa ser verificada.
Neste processo, o questionamento dos pressupostos teóricos é fundamental. Em geral, uma teoria se enriquece a partir de várias contribuições que, freqüentemente, não são ideológicas. Não obstante, uma teoria científica é passível de ser ideologizada quando passa a expressar um aspirações grupais em vez de conhecimento científico.

Os problemas gerados pela constituição de uma identidade psicanalítica refletem este dilema. De um lado, esta identidade é definida pelo seu objeto de estudo - o inconsciente, de outro por sua apropriação por um grupo social. Assim, não existe alternativa senão a de reconhecer qual a concepção teórica e o seu subsequente impacto na prática institucional. Foucault foi o primeiro a investigar esta articulação entre formas de saber e organização do poder. A relação saber/poder está na origem de muitos problemas relacionados a identidade institucional.

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