SABER
A ESCOLA
Dr. Adail Ivan de Lemos
Governar, educar e psicanalisar são profissões impossíveis.
S. Freud
1. Definição de Escola
O que chamamos hoje de
Escola (skhol em grego) adquiriu no decorrer do desenvolvimento histórico-social
diferentes configurações e espaços físicos:
Praça Pública (Sócrates, 470-399 a.C.), Ginásio
(Antístenes, 444-371 a.C.), Academia (Platão, 428-347
a.C.), Caminhar Peripatético (Aristóteles, 384- a.C.)
e Liceu (criado por Aristóteles, mas também usado no período
Romano), Monastérios ou Conventos (na Idade Media), Universidade
a partir do Sec. XII (i.e Oxford, Paris) e Colégios principalmente
nos séculos XVII e XVIII (i.e. Harvard, 1636; Yale, 1701).
Independente de sua forma e de seu conteúdo, o termo Escola será
empregado aqui para nomear um espaço institucional responsável
pela transmissão do saber. O desejo do aluno ao querer apreender
alguma coisa justifica a existência da Escola. Portanto, a função
essencial da Escola é a de ensinar e a função do
aluno é a de apreender.
2. Definição
da problemática
Existe uma suspeita geral
de que a Escola está em crise e de que é preciso fazer
alguma coisa. Propõem-se reformas, mudança e diretrizes.
Antes de tudo, porém, devemos situar as questões envolvidas
e os níveis que devem ser estabelecidos entre elas. As idéias
desenvolvidas neste artigo baseiam-se no livro de Jean-Claude Milner
denominado Da Escola.
Em uma série de leituras promovidas pela Causa Freudiana, parte
deste livro de Milner foi abordado, reinterpretado e rescrito por Potiguara
Mendes da Silveira Jr em um texto intitulado A Crise na Escola. O objetivo
aqui é o de ampliar esta discussão com uma nova contribuição
que modifica substancialmente a abordagem original destes dois autores.
O sentido de toda e qualquer Escola baseia-se em cinco axiomas principais:
na existência de um saber ou conhecimento
na transmissão deste saber ou conhecimento
em professores ou especialistas encarregados desta transmissão
de uma instituição cuja função é
a de organizar o espaço para operacionalizar os itens precedentes.
na existência do aluno ou do aprendiz: alguém que
considere válida a transmissão de tal saber ou conhecimento.
Cada um destes axiomas é essencial para a existência da
Escola e negar qualquer um deles e atacar a existência da Escola.
Entre aqueles que são responsáveis pelo ensino, muitos
sustentam que:
não existem saberes
os saberes não são transmissíveis
a transmissão de saberes não é tarefa de
especialistas ou professores
a transmissão do saber prescinde de uma instituição.
a escola não precisa do aluno
Tais pronunciamentos falam contra os princípios fundamentais
da Escola e os que escutam devem identificar tal ataque. Porém,
quando a existência de Escola é postulada nestas bases
não se quer afirmar que todos os saberes são transmissíveis
ou devam, necessariamente, ser transmitidos pela Escola. Também
não quer dizer que os professores saibam tudo e que tudo o que
há para saber será transmitido pela Escola. E possível,
por exemplo, que o melhor médico do mundo não tenha feito
a faculdade de Medicina, mas o enfoque em questão é o
de perguntar qual seria a melhor Escola para graduar o melhor aluno
do mundo. A Escola abrange também outras finalidades, tais como:
socializar o aluno, proporcionar-lhe um grupo, torná-lo membro
da instituição, estimular seus princípios morais
e éticos, sua vida esportiva ou simplesmente fazê-lo mais
maduro e feliz. Entretanto, estas são finalidades secundárias
e a proposta aqui é a de discutir o binômio produção-transmissão
do saber e a validade de uma reforma escolar.
A não ser que o objetivo seja o de abolir a Escola, toda a decisão
relativa ao funcionamento do magistério deve consistir em implementar
estes cinco axiomas. Para melhorar a Escola é preciso, antes
de tudo, considerar a relação entre o saber e sua circunscrição
institucional. Sociedades diferentes em distintos momentos histórico-políticos
produziram diferentes espaços sociais para a transmissão
do saber. Além disso, toda a instituição, ao eleger
um saber, condiciona, formaliza e dirige o conhecimento referido a este
saber em direção a um determinado enfoque. As diferentes
escolas psicanalíticas ilustram este direcionamento. O desdobramento
deste processo se torna evidente na escolha do método de ensino,
na escolha e organização do currículo e na escolha
e critério de seleção dos professores.
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Nomear e definir os saberes
que devem ser transmitidos implica decisões conjunturais que são
certamente socio-econômicas e políticas. Uma escola bem estruturada
deve incluir em seu currículo necessidades de saber que atendam
a uma demanda social, mas também deve incluir saberes que têm
por fim elevar o nível saber dos indivíduos independentemente
desta demanda. Outra maneira de implementar o funcionamento da Escola
diz respeito à Pedagogia. Ela deve ser concebida como um meio e
não como um fim. A Escola deve aprimorar o saber ensinar.
De um lado, propiciando maior inteligibilidade ao que é ensinado
e, de outro, tornando o especialista em determinado assunto em um bom
professor. Preenchidos estes pré-requisitos, a Escola está
habilitada para atrair os alunos mais capazes e registrar um número
maior de candidatos. Mais ainda, a Escola eficiente deve estar preparada
para absorver, como professores, um bom número de seus ex-alunos.
O próprio conteúdo do saber condiciona o funcionamento institucional
e o estilo pedagógico. Por exemplo, a transmissão do saber
religioso difere significativamente da transmissão do saber científico.
A forma de transmissão de um conhecimento é variável
e depende em grande parte da sua relação com a tecnologia
e com a ciência. Estatística e computação adotam
novas metodologias que são inaplicáveis à metafísica
e à filosofia. O nível de saber que deve ser transmitido
pela Escola é o outro problema a ser decidido, uma vez que influenciará
a escolha dos professores. Qual seria a melhor opção: ter
Einstein como professor, ainda que ele não possua conhecimentos
pedagógicos, ou ter um professor pedagogicamente capaz, ainda que
ele não conheça a fundo a Teoria da Relatividade?
Mesmo considerado por muitos como o elemento passivo ou o pólo
receptivo da Escola, o aluno é um importante termômetro na
aferição da Escola. O exemplo mais óbvio é
o da avaliação dos professores. Quando a maioria dos alunos
recebe notas baixas, existe uma probabilidade maior de fracasso do corpo
docente do que do corpo discente. Porém, é preciso reconhecer
os fatores socioculturais e econômicos que interferem na formação
do aluno. Em geral, nos países do primeiro mundo existe um estímulo
maior para as atividades científicas e culturais. Este estímulo,
por sua vez, tende a estabelecer certos valores culturais que absorvem
a curiosidade social e criam um interesse maior pelo estudo. Outros países,
nos quais a cultura e o saber têm um valor secundário em
relação sexo, dinheiro, samba e futebol não estimulam
o desejo de aprender e, consequentemente, de gerar alunos.
Uma outra questão é a da articulação da Escola
com o sistema social vigente. O sistema econômico interfere e permeia
todos os elementos da escola. A sociedade capitalista, por exemplo, se
caracteriza pela divisão de classes sociais. Esta divisão
se faz de acordo com o nível socio-econômico dos indivíduos
(e.g. pais dos alunos) e a sua relação com os meios de produção.
O modo de funcionamento da sociedade capitalista têm um profundo
impacto na produção do saber, no oferecimento do saber e
na transmissão do saber. Na medida em que se baseia na competitividade
individual, influencia a seleção e a formação
do aluno. Os melhores alunos são aqueles que estão em condições
de pagar a melhor Escola para receber o melhor ensino. De outro lado,
o saber é gerado para atender à demanda do sistema capitalista.
Tal saber está muitas vezes associado a objetivos econômicos,
políticos e militares, tal como ocorreu com a criação
da Internet durante a Guerra Fria e o desenvolvimento da física
nuclear para a produção da bomba atômica no ataque
a Hiroshima. A produção de conhecimento é encarada
como um investimento que deve dar lucro. Por este motivo, as instituições
mais ricas procuram dotar-se de um melhor nível tecnológico
(computadores, gráficas, bibliotecas etc.) e, quase sempre, são
capazes de contratar os melhores professores. Mesmo oferecendo bolsas
de estudo, tais instituições selecionam os mais abastados
em detrimento dos que não podem pagar. Nestes casos, os alunos
carentes têm maior dificuldade de adaptação. Eles
podem apresentar um menor background intelectual, problemas emocionais
com dificuldades de aprendizagem ou, simplesmente, sentir-se inferiorizados
e excluídos. Em função da dificuldade financeira
e da carência emocional, apresentam uma demanda maior em relação
à instituição que deve tudo prover sem nada pedir.
Embora possua uma função importante na avaliação
institucional, a participação do aluno é limitada
no que diz respeito à gestão escolar. Primeiro porque a
função última do aluno é a de aprender e não
a de ensinar. Secundariamente, porque aluno raramente participa dos mecanismos
decisórios. No entanto, isto nem sempre ocorre. Muitas vezes, o
ensinamento escolar está submetido ao desejo do aluno. Neste caso,
a Escola tenta adequar-se e facilitar a vida do estudante. Taxas não
podem ser cobradas, exames deixam de ser obrigatórios, os professores
devem ser mais flexíveis etc.
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